sábado, 20 de junho de 2009

Sonho estrábico

Estou sozinho na gare.

Avisto o que julgo ser um trem mas que poderia ser um campo coberto de margaridas ou um ponto de táxi congestionado, ou uma tigela de manteiga desproporcional, ou pode não ser nada disso.

Ando em direção ao trem(tigela?) sem mal sair do lugar.
O esforço enorme não incomoda, na verdade já não lembro aonde ia mesmo e sinto-me subitamente tomado de emoção pela cena que se desenvolve logo à frente:

Inenarrável.

Volto em seguida.
E noto que já não há mais trem na gare, se é que havia uma tigela de margaridas. Na verdade espero num banco da rua General San Martin ao lado de um palhaço cujas sobrancelhas de um negro espesso perfume naftalínico remetem à lembranças remotas de uma tia-avó – chamava-se Eululália e era pálida em três línguas mas não era feliz, certamente não era.
Permaneço imóvel(fizemos isso durante quatro copos d’água) assistindo inocentes indivíduos passando de lá pra cá e um punhado de nuvens inúteis jogando amarelinha sobre pássaros cor abóbora muranga porém humildes.
Reclamo bravamente sem dar um pio e sinto-me poeta, enfim.

Por fim discordo do silêncio encenado que me(nos) aflige e faço-lhe a pergunta cretina que guardo no âmago do estômago em forma de bile - substância mal quista em círculos socias por ser puro obséquio de gosto pastel e textura infeliz. A resposta do palhaço provoca ligeira amargura na superfície do meu peito e a ponta da língua se distrai, distomba distante;

Engan[amo]o-me[nos] novamente.

No mesmo instante sinto algo peculiar e úmido brotando no canto direito do olho. Vejo nublado. Desesperado, procuro interceptá-lo com as costas das mãos; não dá. Minhas mãos inflaram, são mãos enormes obsoletas mãos grudadas em pulsos que outrora estiveram acorrentados à relógios redondos e pretensiosos como deveras são os relógios.

Empapossado em inércia obsidente, concluo ali e agora que todas incertezas estão sob a pena do sustento dos pesos onde a escápula se une à clavícula e ao úmero, mas também pode não ser isso.

Verto o líquido inédito e mato o palhaço.

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